quarta-feira, 29 de junho de 2011

Só não fazeis o que está
Ao teu alcance
Mas te faz mal.

Largai os poços negros
Que te interiorizam
Em só
E aceita a vida
Como ela é.

O esgar de olhar,
O ódio, o ciúme,
Terras de só negrume.
Queimada constante
Fortificada pelos
Olhos fechados da mente.

As coisas a sair
E a entrar.
Noite funda
Deste dia solarengo.

A pomada da calma
Não me acalma
Nem desperta
Mantém-se quieta
Em mim, me substituindo.

O largo da vila deserto,
A gente onde
Não há solo
Ou comunicação
Vê essa, a televisão.

E em paz de um oficio
Mais antigo
Que a vida
Decifro o que sinto
Como quem joga um
Qualquer jogo superficial.

Valer o mar…
Que vejo eu
Eternidade
Que quase já concebo.
Noite minha
Noite de sossego.
O pão da manhã
É o teu dia
Ó noite minha
Tão quente e sozinha
Como eu.

Demoramo-nos em solidão
Como quem se guarda à vida.
E a propriedade privada
E esta coisa dos carros
Nos tão desvirtuar
De nossos caminhos
Que tendo de ser únicos
Para se realmente fazer,
Se entrelaçam em muitos
Que já não são teus,
Que já não são de ninguém.

Busco o fim sempre
Porque creio que nele
Se começa,
Se inicia o algo que busco.

Primazia no espontâneo
E logo me deito
Cansado
E acordo num outro local
Onde já não reza
Minha ideia ideal,
Só uma fraca fome
Que pede meu corpo.

Está vento e isto me cansa
Onde está a inspiração?
Deixei-a lá longe
Em me querer
Confrontar o dia
Quando dele não encontro
Confronto.
Tenho em mim
O sonho
De toda a gente.

É o sonho primeiro.
Aquele que nasce da vida,
Aquele que se renasce
Na quase morte.

É o sonho essencial
E todos o temos
E perdemos
Com o escurecer
Da educação e do hábito.

Eu também o perdi sim
Mas quando desisti
De me dele querer lembrar
Ele me apareceu sorrindo.
Todo ele, em si,
A se me oferecer
Sem exigências
Ou mandamentos.
Queria estar comigo,
Esse sonho primeiro,
Tinha saudades minhas…
Seja eu, seja o destino, a vida me escolheu pois me matou antes da morte. Estou-te grato, ó vida, sei o que querias de mim. Viste que era capaz de aguentar, capaz de ter em mim mais que por mim poderia albergar. Deste-me tu, ó vida, sinais bastantes para que eu me lembrasse e soubesse que aguento e persisto como sou e como tu me ensinas. Ó vida, tu és bela porque, afinal, me libertaste desta coisa de viver e não saber bem o porquê de o fazer. Obrigaste-me a ser, obrigaste-me a ter de ser eu, contra todas as probabilidades e nas maiores adversidades, tu me tentaste para ver se era digno de te carregar a chama. E hoje te levo e tu és eu e eu sou tu, estamos juntos e não me creio mais em solidão.

Toco o céu
E lhe falo
A mim
Pequeno
A imensidão que sinto.

Ó meu pai
Tu vives para sempre?
Ó minha mãe
Tu também?

Serras, pássaros,
Vento, conversas
Tudo isso
Deuses e parentes
Tão familiares
E distantes
Porque estão vivos e são eles.

Algo de ter
Quem me quer
Para não me disso
Ter que esforçar.

O tempo passa
E a noite demora.
É tempo
De eternidade
Ó dia!

Passavam comigo
Tardes inteiras
E quando me deixaram
Deixaram-me sozinho.

Eu sorri
Porque soube
Que se foram
Foi porque
Haveriam de ir.

Eles sabem e
Eu sei
Que estamos juntos
E que tudo isto continua
E a solidão
É o licor dos Deuses.
Num dia de sol suspenso em que a gota de água do rio se abrasava em solo seco, uma grande ave voou por aqui. Ninguém sabia que ave era ou espécie, sabiam que era grande e dócil pois não atacou quem a via passar. Nos cafés falava-se nisso a bom tom e alto para os da rua também ouvirem e se juntarem à conversa do colosso que por ali passou. Bebeu-se mais, dormiu-se menos e chegou-se até bastante atrasado ao oficio. E a ave ia e vinha consoante as horas do dia pois à noite não se via. Uns pensavam que era mãe e estava a cuidar dos pequenitos, outros achavam que era macho porque era vigoroso. Nunca se bem soube, pois um dia um menino escondido, pegou-se em cima da grande ave, domando-a com carinho e firmeza e voou para longe, até onde o sol se deixa de ver…
Travessas de seu tempo apanhadas,
Pois caíram,
Pelo criado
Que sempre serve
Pois é servo
De um ele eu
Que cozinha
E faz de tudo seu.

As coisas todas
Amarrotadas e sujas
E desorganizadas
São coisas dele
Do servo
E o ele eu
Apenas cria
Do que é já seu.

A porcaria que
Se avizinha é do vizinho
Ou da vizinha
Nunca de ele eu
Nem do servo
Que é servo
Porque o é.

E viver em pé
Mostra-se uma arte imensa
Que é posta em prática
Pelo ele eu
Mesmo quando tomba
Pois o servo
O agarra e suporta
E ajuda
Pois é servo
E servo é e sempre será.

O tempo faz dos dois um e do um dois
E daí para a frente
Nunca se ao certo sabe
Qual deles é,
Se um dos dois
Se o outro dos dois
Ou se só um.

Tudo acontece repentinamente
E nem o um
Nem nenhum dos dois
Sabe quando
Vem a onda
Ou raio
Que os junta ou separa.

Mesmo com tudo
Lá fora por fazer
O cá dentro
Está sempre por saber,
Já que não é coisa
De uma só noção
Mas uma
Inconstante destabilização
Que momentaneamente
Está estável.

E o cérebro
Passeia a perguntar o que é isto
Enquanto o coração afirma
E o espírito sereno sorri.
Tudo o além de eu
É demais.

Se sou mais que eu
É por simbiose
Não por disso possuir.

Coisa de eu
É sempre universal.
O eu é igual ao tempo:
Completamente espírito
Completamente inexistente em factor físico.

Anda a carroça de meus pés
E eu ando atrás.

Sou duro como um velho,
Carrego minha morte
E se me chamares,
E de ti gostar,
Sorri-te minha criança despreocupada.

Que a morte não é triste
Nem sombria
É só o sono dos deuses.

O segredo é sorrir por dentro
E deixar a face séria
Observando a morte viva
Que a rodeia.

Que dança feliz sempre
Minha criança
Em mim
E eu me vou
Cingindo assim
Meio que pai dela:
Plataforma de censura
Ou controlo
Que ela é demais bela…

Vive-se em nervoso
Mas eu nem tanto.
Colho o que posso
E tenho minha floresta
Onde para lá andar
Basta-me parar o corpo
E pensar, pensar.

Que de refúgio
Não anseio
Tenho já o meu
Bem vivo e quentinho
Que cheira a madeira quente
E brasa
Que essa minha fogueira nunca se apaga.

A vida é triste
Só para quem tem medo da tristeza.

Eu gosto dela,
Da tristeza.
É uma coisa calma, serena e nobre,
Respeita seu semelhante
E abraça o além de si.

A felicidade é que muitas vezes
Me enlouquece
E quero-lhe o fim rápido
Que não me sei gerir assim.

Preciso de um pouco de morte
Para viver bem.
E aqui, assim de repente, algo me toca e sei-lhe o toque mas finjo não saber e resisto. Da resistência insiste o toque e eu lá me viro e vejo enorme sorriso me olhando enternecido. Pego a bengala, me levanto e um grande abraço. Reencontro de mais de 10 anos de espera. “És tu então!” “ Cheguei há pouco, ajuda-me a trazer as malas.” e nem preciso dizer nada, estou como que hipnotizado por meu amigo. Lá fora está uma chuva difícil e algum frio. Molhámo-nos um pouco e nos acudimos da lareira , sempre quente, sempre viva. “então como vieste?” “ De avião. Foi boa a viagem, aqui a chegar a Lisboa é que houve alguma turbulência.” “Então e o que te traz aqui ó desgraçado? “Estou a fazer um estudo de campo rural, digamos assim. Então escolhi aqui a tua casinha, o que achas?” “ Acho óptimo, óptimo. Estou tão feliz por te ter aqui! Ainda por cima nem avisas nem dizes nada. Quando me tocaste soube logo, não me perguntes como, que eras tu pah, só podias ser tu! E vê bem, ao fim de tantos anos, como soube logo que eras tu? É maravilhoso! Vem, vamos, o que queres comer ou beber hã? Ah sim, vamos conversar!
Bonito é ver o mar
E o português a pescar.

Bonito é saber
Que se continua
A bem comer.

Bonito é ser português:
Um bárbaro afável
Camuflado de europeu.

Bonito é ser simples
E pobre
Tendo a vida como
Um dado certo
Para o pouco que se tem, quer.

Bonito é saber ser pequeno
Para por dentro,
Às escondidas, se sentir bem grande.

Bonito é o sol e o calor
Graças
E vamos para a rua!

Bonito é saber apreciar
Com a vista
E saber que o tocar é menos
Que a fantasia
Que vive em nós,
Pensamento.

Bonito é ser daqui e não de lá.

Bonito é reconhecer
Que viver basta
E o demais
Que nos aflige
Dos tempos modernos
É devaneio,
É palermice.

Bonito é ter o corpo ao sol
E ostentar
Pele mulata ou preta
Com orgulho
E como identidade.

Bonito é olhar o horizonte
E saber que nos pertence
Não por ser nosso
Mas ter outras almas
Que falam nossa língua.

Bonito é saber de História
E saber de Filosofia,
Crenças e manias.

Bonito é ver que aqui
Estamos nós bem:
Uns a pescar,
Outros a olhar,
Outros a escrever,
Outros a ler,
Enquanto o mundo,
Lá atrás,
Anda de carro e compra
O que podia, por ele, se oferecer.

Bonito é estar na rua
E sabe-la viver.
Que há uma Arte da rua
E só dela sabe
Quem já a fez ou faz.

(Bonito é viver e ser português!)

terça-feira, 7 de junho de 2011

Uma ode à fertilidade, sim, porque não?

Fazer crer como quem, por natureza, faz nascer.
Inventar o inconcebível fazendo o amor e o êxtase em mútuo.
9 meses e há todo um novo mundo por viver, algo que é
puro e tem que aprender. O que em tempo se julgou ter
de fazer hoje cansa e nos pesa, nós humanos.
Reflictam homens e deixai as mulheres pôr em ordem a
bagunça, que vossas só pilas geraram. Em tempos aéreos,
eu sonhei e me perdi num não eu que sou eu agora: descobri
o que era de mim espiritual e além terra queria voar.
Dar a mão e o coração aos mortos e aos por nascer,
inventar uma civilização que mais que actual, universal
e prosseguir sorrindo o giro que é isto de viver.
Um lençol azul manso
Que acarinha meu turbante de orgulho próximo.

Vejo a queda de água a cair
Enquanto me levanto,
Surpreso de energia,
E me dobro por dentro,
Ó noite minha.

Ficam segredos por contar
Tragédias que nunca foram
E sonhos a ser.

Há um sono dentro
Que quer partir,
Deixar a confusão do barulho e ir.

Dormi-me ali um pouco e tudo
Parecia certo,
A vida que tinha e a que teria
Se me levantasse.

Então lá me levantei
E notei que
A gravidade,
E minha consciência dela,
Me puxavam para baixo
E que meu sonho
Se parecia agora que longínquo.

Como permanecer no sono,
Que é o sonho,
Na vida em que se realmente anda?

Porque me é hoje
Pesada a vida
Como se me fosse negada
Logo antes de principiada?

E noto bem,
Que não só a vida,
Que para não lhe sentir frígida
Eu me nego passagem
Para distrair culpabilidades…

Sou eu ou a vida
Que me pára?

E será que me paro deveras
Ou me simplesmente adio?

Voltava agora de bom grado
Para a terra do sonho
Que esta terra faz demais barulho.

(Dormir a sesta é coisa
Que me molesta.
Tenho toda uma nova caminhada
A fazer
Para me despertar deveras.)

E uma menina,
Com certeza que bonita
(que não lhe vejo a cara),
Maneja a mão ao alto
Chamando seu amigo, seu irmão.
E aquele com quem ela está
Vai pescando, aguardando.

Eu vou-me fingindo
Responsável por tudo o que alcanço e vejo.

Não me poderia cingir a mim?
Ser apenas eu e minha vida?

Enfim…
Antecedo a velhice
Neste corpo esbelto e firme
Que deveria combater uma guerra
Ou gerar um filho:
Coisas úteis…
Sou só feliz quando deixo de existir
E fico um apenas
Receptor do mundo e do que penso.

Ter meu corpo arejado,
Deixar passar por mim
O vento amado que me renova
A cada assobio.

Tenho de me largar,
Deixar-me ser, afastado
De qualquer absurdo real
Que me ligue eu à minha vida física.

Não sou nada neste momento,
Sou só o estar.

Não tenho nada que me ouse
Conhecer,
Assim, me desconheço um tanto
Para me voltar a conhecer novamente.

Olhar o mundo
Com os olhos do espírito
E respirar o fundo do vazio
De não ter de estar a ser.

Fantasma, estátua, vento, energia
Quero-me total.

E chamam-me ali
E os não reconheço.
Estou além
Lhes digo
E eles riem
E eu escrevo.

Anoitecer-me com ele,
Céu azul, que negro daqui a pouco.

Respeito a ordem
Que de mim vai fazer mais um morto.

Olhar em força para o nada
Que me encanta,
De quais vozes femininas
Que o não são, e me leva à razão
Plantas e flores
Que querem passar daquele para este mundo.

Sou um ouvinte.

No outro, humano,
Sou um furado falador.

Entendo tudo isto
Como uma maldição que tenho de ser
Para equilibrar a salvação
Que por mim quer passar.

Olho e não tenho inimigo
Nem desprezo,
Aceito.

Acarreto as consequências.
Porque não?
São elas até belas
Se as sabe porque razão.

Olho o tecto de meu caminho
E ele já não o tem,
É infinito.

Sair da dose de sangue
Para ser só energia,
Além matéria ou pó,
Espírito!

O piar do pássaro é o que sou,
O vento forte da praia também.

Arte em matéria quase física
Porque ouvida pelos sentidos.

Emoção feita corpo
Desagrada
O corpo meu.

E há uma entrada
E de saída se tem de descobri-la.

Chamas as não há,
Nunca as houve.
Só um incentivo à tristeza…
Ó mulher se tu não tivesses corpo
O que tu serias?

Sonho-te em sossego
E vejo-te em brasa.

E nas praias te deixas e deitas
E me excitas mais
Que podias se me falasses.

Que eu as quero a todas
Ao mesmo tempo,
Que todas são uma só,
Sei-o bem!

Olho-te nos olhos,
Ó mulher,
E sei que me amas!

Podes me não conhecer
Mas amamo-nos visceralmente!

Antes tinha-te medo,
Ó mulher,
Porque me pensava em cristandade
Monógoma com outra.

Mas hoje…hoje…
Ó mulher
Hoje amo-te plenamente!

Desde aquela com que ontem dormi
Até esta que me olha agora de sorriso doce
E curioso.

Amo-te em destreza de me saber dar
E em saber que tu,
Ó mulher,
Tu me sabes sempre receber!

Mulher, é um ser universal
Não se encerra em corpos sozinhos.
A mulher que tu amas tem
As feromonas que te encaixam a antena.

Quem de mim eu fui?

Medo de mulheres jamais!

De homens sempre,
Que eles não sabem sê-lo.
Isto é, homens ambicionam meu mesmo trono.

Homens, a maioria,
São crianças com pila.
Eu tenho a minha mais viva
Na mente e assim a desloquei para o coração
Para amar tudo então!

Querem-me sossegado, civilizado?

Ai, é que não!

Um homem viril
Não sabe o que é isso de consumir.

A mulher consome distraidamente
Para a distrair de sua tarefa magistral: dar à luz!

(Ó minha querida
Falas-me nesse tom de desdém…
Não sabes o quanto te podia fazer bem.)

Quero me alcançar em tal pose
De sacrilégio que o que apenas busco
É compreensão feminina,
Isto é, muito sexo!

Que o racional
Já o tive bastante
Mas é coisa de homem
E assim irrelevante.

Agora, a mulher não é faculdade de direito
Mas de Dever!

Até a mulher puta
Sabe o que eu quero dizer!

Vamos então,
Como pausa de palestra e para festejar
Esta ultima deixa,
Praticar o amor com nossas progenitoras
Que nos não deram à luz
Mas nos têm, sempre que podem, nus.

Está feito? Foi bom?

Pois então continuemos:

A mulher sabe insinuar.
Muitas vezes não sabe falar.

Ela dança com as energias
Da compreensão afectiva,
Que talvez seja a compreensão universal.

Assim ela foi equacionada burra
Nas passadas gerações “nossas”.
Mas digo agora a mentira que foi
Essa momentânea verdade.

A mulher sabe sentir
E sabe precisar
Sabe pedir e sabe desprezar.

O homem não.

Ou é um cão dócil que se
Dá bem com tudo
Ou não quer nada com ninguém
E o demais, razão para rosnar e atacar.
(Só será sensato tendo
amado antes uma mulher.)

A mulher sabe insinuar tudo isto
Em leve devaneio
Que é efectivo e sólido.

E dos que estão presentes
Seu gesto é ouvido!
Houve um passo que se não ouviu porque ela estando triste, antes de se fazer parecer queria desaparecer. O suicídio é muito doloroso, pensava ela. Chega aqui! Onde andaste ontem? No quarto. Não te ouvi! Não fiz barulho…
Esteve o dia todo a chorar, lembrando o outrora, aquele semblante de alegria em arte que fazia da vida simples e mera plataforma do sonho.
Agora triste e de seu pai carente, dá essas ultimas suas forças a ele, viúvo.
Sua mãe morreu à um ano e seu pai nunca mais saiu de casa. Manda um miúdo fazer os recados e trazer as comodidades para comer, viver. Lá fora dizem que o velho está doente mas ela sabe o contrário: está louco mas não doente. Se fosse artista era um homem feliz de sua infelicidade, assim só é infeliz.
Vou à rua ver o mar, diz ela a si e depois a seu pai. Ele não responde, está só atento à televisão. O mar bravo e insensível dá-lhe voltas à mente e di-la fraca, fraca idiota que se não suporta. Ela chora uma vez mais e volta, não para casa mas para o café. Pede um copo de vinho branco, que faz calor e fica olhando as pessoas passar, o tempo a estar e a ir mas sempre ficar. Ela sossega finalmente sua mente, compreendendo que o que é sua vida é relativo quando há e se vê tanta outra.
Passa a Antónia: Há tanto tempo que a não via. É, tenho estado por casa a descansar, o tempo anda virado. Pois é, é verdade. Olhe como está seu pai? Está bem, está bem, ainda um pouco abatido de minha mãe, mas se Deus quiser melhora para o ano que vem… Mas está doente? Não, não, apenas abatido, sabe, triste, infeliz. Ah sim, ah sim.
Bom tenho de ir indo que a Isabel combinou comigo agora as 16:30, até à próxima. Como está a Isabel? Ah está bem, vai indo. Está bom até amanhã, se deus quiser Antónia. Adeus, adeus.
Com esta supérflua conversa ela se encontrou descontraída, bem-disposta mesmo, que muitas vezes quando se está escondido dentro de si o melhor é conversar sem qualquer conversa aquelas coisas de hábito, que já se sabe o que se vai dizer, ouvir e o prazer é ver falar, ver faces e gestos a dançar, pequenas interrupções e nervosismos, mais pequenos prazeres momentâneos que surgem de pensamentos que se esquivam desconhecidos à conversa. Assim a mente fica só prática e entendida da vida que se quer vivida.
Quero então
Uma nuvem hoje,
Um sol amanha,
Ser o que se é
Porque não se tem de ser.
Augusto quis dizer isto
E Deolinda, o tão rápido negou
Indo ali à cozinha.

Figura estendida a mula a bufar,
Está com fome ela e faz frio.
O José não a acolhe dentro de casa,
Assim ela quase que morre lá fora.

Silêncio, que é campo.
Seguia de par em mão
Desconhecido com uma conhecida,
Uma só dose de serão.

Luzes amarelas das janelas
Introduzem a noite
Que se aproxima
Tenrinha.

Calçada e então porta
Jantarada, e porque não, amigos.

Olá, olá.
Sorrisos nas mãos e em plenas bocas
Por elas, algumas, que mais que beijo
De bochecha mereciam um de lábios.

O que há?
Já encomendamos, está a sair!

Ó não. Mas apetecia-me entremeada…

A Lena disse e foi o que
Pedimos para todos!

Ah, muito bem, muito bem.
Palmas sim, palmas a vocês todos!

Casa de banho e um xixi
Que isto de fazer anos
Enerva a bexiga.

O jantar foi um jantar
Mas a noite
Adeus, adeus,
Agora é minha!

Fornicamos minha querida?
Ou nos amamos por aí
Mais modestamente hã?

Ó querido…és tão romântico…

Sim, no princípio da praticabilidade o sou!

Escolhes o irmos
Já que me levas de braços.


Foi então que acontece aquilo
Que te disse à dias…
Ela morreu-me ali atropelada
Por uma bicicleta!

Um escândalo!
Passam-me uns quantos desejos
Pela mente mas não os sei se meus.

Estou agarrado à vida
Tão sofregamente
Que não vivo.

Há sempre um além de mim,
Que como mais poderoso que eu,
Me concedo a ser.

Não sei lidar com a minha circunstância actual.
Ela é uma trança irregular
Que num cabelo como o meu
Se une e já não se vêem os fios
Que a uniram…

Tenho uma vida estranhamente difícil
Porque é, acima de tudo, fictícia.

E aí me vou gerando louco
Para desenlaçar esta minha
Absurda incoerência de vida.
Um barco ao mar
Desperta seu pescador
Que a pesca
Está na hora de apanhar.

Ensonado,
Lembra saudades de casa
Mas o trabalho
O chama fisicamente
E a obra vitral
Do espírito se evapora.

O mar está calmo o que acalma José.
Os peixes aparecem muitos e assim
Sabe que orgulhosos nativos de casa.

Filtram-se-me as portas agora
E o pescador apareceu
Em minha casa.

Então José como andas?

Vou bem shor (meu nome),
Vou bem.
Apanhei muito peixe ontem
Está tudo feliz lá em casa.

Pois eu o estava a relatar agora
E de repente,
Não sei o que aconteceu,
Mas apareceu-me você
Aqui em minha casa
A beber seu cálice.

Cálice não, vinho tinto!

Mas sabe o que aconteceu?

Eu não, ontem festejámos a pescaria
Até tarde e hoje vou por onde me deus leva.

Então sabe que deus
O trouxe aqui a minha casa?

Não, não sei…
Isto é a sua casa?

É sim!

Ah, está certo…

Não está não!
Mas que baralhada.
Agora tenho que começar
A ter cuidado com o que escrevo
Que me pode aparecer em minha sala.

É verdade, hoje tudo pode acontecer…

É isso José.
Sente-se aqui ao pé de mim,
Vamos conversar.

Como é o mar?
Entender o crescer como dor que penetra e fica, endurecendo o corpo e a alma em fatalidade antecipada. Cansaço de me quererem ajuda que não sei dar. Livrai-nos do mal… Livrai-me do bem, que eu só gosto do que não entra nessas “vossas” classificações. Não procuro sucesso ou insucesso, procuro apenas presenciar a vida como a proponho a mim me querida. Além de que todo este desnecessário sofrimento é coisa de velho e eu sou jovem sim. As caras sérias e tristes e desiludidas de minha cidade enraivecem-me a alma, rangendo os dentes e carregando as sobrancelhas, eu aflijo quem me olha desprotegido. Pudera, até eu tenho medo de mim neste estado. Quero-me encontrado mas como já tanto fugiu de mim eu fujo agora mais ainda para normalizar a perversidade que se estruturou em mim impunemente. Mas vou indo, esperando o dia que cai como um peso e não uma alegria e fingindo apresso por isto tudo para gerar poesia. Mas é só isso, eu minto muito para poder sorrir e me conter de querer matar ou entristecer. São tempos estranhos em que tudo parece fútil e desnecessário. Como que o humano fosse de principio falhado e nada houvesse a lhe fazer para o salvar. Que penso eu? Jasus Maria!
Em Portugal pausa o sítio
Vai-se para o trabalho,
Volta-se do trabalho.

Fim-de-semana sem trabalho,
Sair à noite
Jantar com alguém
Depois de novo trabalho e afins.

Há pouco em Portugal
Devo admitir.
Muito pouco onde eu vivo
E eu sendo muito
Se não me acudo
Quase que morro.

É, Portugal, és muito pouco para mim,
Ás vezes alegras mas demais vezes me entristeces.

Mas não te preocupes Portugal,
Não és tu mas eu
Que te não abraço como fatalidade
Que aqui te vivo
E a isso não me concedo admitir.

E não és tu Portugal não,
Nem eu.
É esta casa
Onde vivo
Que tem muito amor concorrido
Pelo hábito
Gerando suplício tanto
Na terra como no céu.

É Portugal não és tu,
Não sou eu
Nem aquela família
(que não largo)
Mas os mercados!
Essas estranhas crianças
Que brincam com nossos alimentos
E mantimentos.

Ó Portugal não és tu,
Nem eu, nem essa minha família,
Nem sequer esses tantos mercados
É toda esta raça humana
Que além de tudo
Te inventou, também, nome e espaço.



Afinal a culpa não existe
É só um meio de subsistência…
É um mundo belo
Esse que se me avizinha.

Um mundo onde o sorriso
É linguagem
E a conversa é feita
Tendo como conclusão a acção.

Mundo que é este
E assim nada de metafísicas.

E passear pela terra
E cheirar o ar
E vê-lo aceso tanto
Em mim como nele.

Viver o encanto de nos termos
Trabalhadores do que colhemos.

Inventar algo que ajude a viver
E não o adie por prazer.

Estar cercado de vedações?

Olha que não.
Manda-as a baixo e partilha o que tens
Que teu vizinho não tem.

Aí não há policia,
Nem estado, nem mercados,
Com a gente faz-se toda essa comunicação
Por entre gestos e fala.

Viver crente do que se vive
Porque viver é isso
E não estar em receio
Que nos mandem para a rua.

Então, a rua é o meu lugar!
Vivo do ar e do que colho
E partilho com eu só olhar.

Que medo, viver em casa
E ter medo que nos tirem,
Tamanha desgraça,
De ver televisão.

Viver fora porque essa
É (hoje) a vida de dentro.
E é a cerveja que me escreve
E não eu.
Eu sou sossegado de meu aqui
Estar vivo a olhar.

Satisfeito e curioso
Nada pensante e entediante.

Reconheço que não sou eu
Que escrevo meus escritos
Mas algo que se solta de mim
Quando por bem ingiro
Uma ou duas cervejas.

Porque eu, eu, comigo
Fico sem pensar e olho
Mas não reflicto apenas olho e é só.

Olho e sinto para completar.
Mas é um sentir leve
Que acarinha o coração
Sem o sequer tocar.

Olho e vejo quem de mim
Perdeu lugar e ganha um outro estranho
Que aparece em palavras em folha vazia.

Porquê escrever?
Que estranho dote me veio…

Penso em mim e não me creio
Fui eu que escrevi?
Ah e o quanto eu queria ser um velho!
Fazer tudo demoradamente,
Ser julgado como um bocadinho
Louco tranquilamente.

Velho sim!

Não concorrer a nada senão à vida.
Ver falar os demais e ouvi-los com atenção
Descansado de não me pedirem opinião
Por ser velho e ultrapassado.

Ah sim velho!

Andar lentamente,
Darem-me o lugar no comboio
Ou autocarro.
Ter a desculpa de estar ensonado
Ou chateado porque sou velho
E ninguém, realmente, me quer.

Que maravilha!

Ver passar meninas bonitas
E já não ter desejo de as comer,
Ficar apenas imensamente enternecido
Por sua juventude e beleza.

Ser velho e distraído,
Nunca pensar no que vem a seguir,
A sério, já saberei que só a própria morte.

Tudo relativo quando velho,
Já tanto vivido…
Deixar e apreciar o viver dos outros.

Começar finalmente a respeitar o corpo
E seu cansaço e tempo.
Descer muito devagar as escadas
Num prédio sem elevador!

Viver uma vida de sonho em casa
Que ninguém procura
Ou quer saber
Porque sou velho e chato.

Fazer de cada tarefa um ritual
Porque sou velho e lento!

E virem uma vez por mês
Os netos e filhos e lhes
Dar todo o amor que antes não quis
Porque depois eles vão embora
E já não me querem.

Fazer tudo com o máximo de valor
Por saber perfeitamente
O pouco valor que tenho ou que isso tem.

Viver feliz,
Imensamente feliz
De saber ser pequeno e substituível
Por um brinquedo ou um doce.

Viver sozinho, de minha velhota
Amorosa morta de tensão alta,
E tê-la sempre em espírito
Pela casa e o dia-a-dia da rua.

Viver antes da morte já a eternidade.

Há de ser bom ser velho!
Num tempo de uma vida passada
Meu tempo se desembrulhava
Em cadência que não suprimia qualquer surpresa.

Era eu menino
E já me pensava homem.
Não como o meu pai
Mas um outro que até desconhecia.

Eram tempos de angústia
Porque o mundo gritava já
Seu antecipado fim
E eu no meio daquilo tudo
Já sabendo da “continuação”
Ficava confuso.

Tempos que não respiravam
E se prendiam
Não em memórias
Mas em certezas
Que não tinham sangue,
Não tinham vida.

Então lá vivi
Enquanto não vivia cá fora.

Quando me chamaram
Ao recreio
Foi com uma mão de amor
E assim pareceu recreio mesmo,
A vida.

Tempos em que o salto
Era bem mais fácil que o andar.

Tempos giros
Que regados a sangue,
Até de menstruação,
Afirmavam certezas.

Mais certezas…

Tive-as já muitas…
Hoje elas logo que recolhidas
Me caiem pelos calcanhares
Fruto de bolsos que furei
Por traquinice.

Quero certezas longe de mim
Que as já não guardo
Em nobreza.

Quero o som do afecto
Que roga vontades
E nervosismos de atenção.

Quero essa estranha
Aversão ao que parece ser.

Quero, hoje, apenas sentir
E recolher as dúvidas
E delas me cingir
Súbdito a as aprender.

Quem sou eu para privar
Minha vontade
De ver meu espírito
Vivo em realidade?