segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Acende vinho verde calmo,
Calvo à hora da noite
Porque me calo para me ouvir.

Abre a porta e a janela
Tu ó vento!

Deixa-me andar por ti
Sejas tu físico e eu ar.

Concorrido o prenúncio
De uma nova era
Me esquivo do anúncio
E vejo tudo como
Antes era.
Que meu sangue invente
Uma nova antiga vida.
Os ancestrais fantasmas
De não crer nas pessoas
Tenham elas exacerbado
A vida à perversidade.

Todos têm em mim
A compreensão
E o caminho
À enorme sinceridade.

Que a morte venha e desapareça
Sem deixar rasto
Que a noite teime em persistir
Que a luz de mim continuará
Acesa.

Que eu sou não uma chama
Que se apagará
Mas que continuará
Pela mão dos outros.

Ventos pingados de amargura
Onde jaz o terno presente
Que a mãe deu ao filho?

Escondido no coração do descrente.

Que a vida é dura é princípio
Mas que ela se resolve
Com o persistir
É duvida ao fim certa e esclarecida.

Que o calor que eu busco
É chama acesa
e o que eu desuso é a calma.
Exasperar a incerteza ao limiar da loucura
Para que dela nasça então pureza.

Sofro em carne-viva
Mas onde está senão
O puro que aí!

Entrega-te, que de mal já eles vão!

Que de noite me acordo e de dia
Vou adormecendo,
É esquecido momento
Lembrado em palavras pretas
Em papel branco.

Jovens tristezas…
23 anos e nem um em calma.

Vivo sozinho com minha doce alma
Que de doce se torna rio
E de rio, mar.

Que resistência imensa
Têm meus genes,
Eu tenho fogo
De tão intenso
Fujo de mim!

Venha-me a discórdia, a pobreza
E a incerteza que lhes logo
Pinto de sinceridade
E não há mais mal.

Tou esquecido de meu momento,
Retorno-o agora
Como ele a mim complacente.
Portugal em ti sempre serei infeliz…
Quem sabe, te tenho de trocar
Pelo samba de Salvador da Bahia
Brasil.

Portugal em ti temos todos de ser infelizes
E porquê e para quê nos fazes a nós
Teus filhos ter o dever acima
De tudo de nos vivermos vencidos?

Portugal país imenso
Que se nega a si mesmo em forma
De gloriosa cobardia.

Que é feito de ti
Agarrado num só dedo à Europa
Fingindo-te bem comportado a ela
Quando te querias demais a viajar por aí!

A mim não me enganes Portugal,
Pois como tu procurei terras longínquas
Em conhecimento e espiritualidade
E encontrei o que tu em tempos tocaste.

Ouro poético, intelectualidade cultural,
Falo dos teus Índios e da tua Índia e China,
Falo dos teus amigos fortes e pretos
Que não têm medo de estar ao sol!

Mas há tantos que não eu…
Tantos que te “mexem” como se falasses verdade…
Tantos que não compreendem
O quanto ainda és criança curiosa
Que amaldiçoa porque tem medo de avançar.

Portugal apesar de tudo gosto de ti
E de tua gente
Simpática e boa alma geral.

Portugal chega de falar
Com os pretensiosos e mesquinhos
Europeus,
Tu queres é vida tal como eu
E essa ainda a há nas culturas antigas
E longínquas do Brasil, Angola,
Moçambique, Guiné, São Tomé e Príncipe,
Índia, China, Japão…

Vamos caminhar para onde
Ainda há luz,
Vamos voltar à cultura e aos valores
Superiores dos quais nos ensinam
Da terra nossos antepassados!
Menina menina
Não te assentes em tectos falsos
Que o verdadeiro é que te suporta.

Menina menina
Não me sorrias tão levianamente
Que meu monstro te morde o pescoço.

Além de mim, minha querida
Todo o mundo te vê
E te sorri beleza nova.

Que é a nova e não a velha
Beleza
Que excita mas tão demais cansa.

Ai menina vai tropeçar em pedras
(olha uma ali!)
Que eu quero uma mulher
Que se quiser já
Me possa amamentar.

Fumo demais, saudades de mamar
Dizem uns senhores de cara pálida e
Bata branca, prenúncio de uma nova religião
Que por dentro tudo tem para a não ser…

Ai menina mas voltando a ti!
Vai beijar doces bocas que não te ainda
Rocem pêlos pela madrugada facial.

Vinhas aqui e meu hálito
Te assombraria as entranhas
Ainda tão virginais
Ainda tão delgadas.

Ai mas querida porque falo eu de ti
Quando tão intensamente
Antes penso numa só Mulher
Que me detenha,
Que me pare.

Assim, só, sinto-me sempre demasiado vivo
E viver cansa como já outro dizia.

Há que descansar em leito vaginais
Que sussurrem enigmas ancestrais.

Vagina,
Ponho-a na cabeça e amasso-a com o coração.
Está tudo bem, está tudo bem…
Haveria tão pouco água no poço?

Havia. Só que de tão fria
Ninguém a bebia.

Aprenderam a beber fogo
Os colonos dessa terra sem homens.

Fogo no corpo,
Todos sabem,
Ou dá Deus ou Demónio.

Deus nasce da paciência
E o demónio por excelência do medo.

Mas sentaram-se a meu lado evaporando as caudas
Cornos e picos, coisas douradas à volta da cabeça
E me olharam curiosos.

Porque eu nada tinha antes
E nada tinha agora que eles se pareciam comigo.

Pedi um copo de água,
Me disseram que não havia,
Perguntei como sobreviveria eu ao calor que fazia
Me disseram rendendo-me a ele bebendo-o em fogo.

Disse que me queimaria a garganta,
Asseguraram-me que não.

Bebi então.

Não é que morri!
Morri…
Não perdi consciência
Por estanho que pareça
Mas morri ali de garganta queimada.

Os vi a olharem para mim falecido
Em dor extrema, vi-os ter pena
De me assegurarem vida
Condenando-me á morte.

Olhei-os uma vez mais e parti
Porque ainda sendo eu agora
Só espírito ainda sentia o absurdo
Calor que fazia.

Noite no deserto,
Só, na imensidão da vida
O frio não me gerava qualquer desconforto
Antes me aclarava as ideias
Parecendo-me elas vivas
Agora que não tinha corpo.

Sosseguei um tempo e como
Não sentia sono ou cansaço
Prossegui a caminhada
Ou melhor flutuação.

Lá em mais de horas a ir vi uma vilazita,
Parece-me que magrebina, muçulmana,
Norte de África, por palpite,
E vi pessoas não me vendo elas a mim.

Entristeci-me.
Vi o mal de ser só espírito…

Fui mais um pouco por aí
Percebendo agora a pena que os outros
Tinham em me ver o corpo parado
E alienado de vida.

Lembrei-me da conversa
Da água e do fogo e do calor.

Fui ao poço e bebi.

Não é que me apareci
De novo aos olhos da gente
Que me festejou pela noite a dentro?

Vida aliada a corpo é bem mais gira.
Além que de sombra sou eu
Também sou perdiz de Santa Inácia,
Ilha de São Miguel,
Aurora do tempo vindouro
Encruzilhadas atentas ao nada
Vilas de fantasmas e paraísos de crianças
Febres altas de prazer
Sangue escorrido de mais uma santa
Que o deixou de ser.

Ai, ali á frente meu querido desespero
Aqui conforto que me faz ver de longe
A vida, a morte.

“Corações ao alto,
O nosso coração está em Deus.”
Não está nada, o vosso coração
Está em vós!

Não percebeis
Nada da matéria da vida,
Pois claro,
Ela não vos é exigida,
Não vos é feito bolo alimentar
Para seguirem tipo batido
Tido como para beber
Feito para matar a sede
Quando se tem é fome!

Pobre desgraçada civilização.

Mas vos amo na mesma
Não vos quero mal
Só vos sei enviesados
À própria antena que têm no coração
Que está em vós e não em Deus.
Desgosto em geral de ser gostado,
É coisa que me obriga a gostar também
E eu não gosto de gostar forçosamente.

Gostar de alguém para mim
É um prazer como que divino,
Porque natural, raia-me momentaneamente
O sol da intuição e me faz sentir
Que gosto dessa pessoa.

O porquê, deixa-o lá estar bem
Guardadinho na caixa dos segredos.
(Que o racional é um pateta
De nariz empinado!)

Adoro gostar de alguém
Porque me faz deixar-me
Por momentos
Prestando atenção a outro que não eu.

Alio o gostar, ao amor, á amizade
E nisto á força vital que faz vida existir.

Como que fenomenal esta coisa
De nos sabermos vivos e livres.

Muita gente não tem tempo ou espaço
Para se saber sozinha no universo;
Fluxo de vida única,
Interceptado por tanta outra.

(Respiro fundo e o que me acontece/aparece?
Sufocação…
Então há que não respirar fundo
E manter a harmonia da desarmonia actual.)
Enlaçado numa mentira
Espessa está meu presente.

Vivo esquecido de mim
E nisso não me encaro ou desperto
Apenas persisto.

Os fantasmas vêm de todo o lado
E o frio rege-se enganado
Até por mim mesmo.

Que de medo me toldei
Ás trevas que me não largavam
E não me assisti na queda
Antes adiei-a cavando
Mais e mais terra.

Onde fica Deus
Aqui neste mundo em queda?

Tem de o haver,
É certo,
Que eu ainda estranhamente
Acordo e falo a pessoas,
Não as me queridas
Mas as que têm de ser.

Aí meu erro,
Vejo claro agora,
Que do nada de não tentar
Nasce sempre algo,
Porque teima em viver e,
Se não se o é decididamente
Então se é atropeladamente.
Entre o tom rosa da pele
E o amarelo do sorriso, a voz
Se esvai e se lhe encontra corpo
Onde antes havia só silêncio.

Além que ela pouco fala
A ideia que ela tem
Sempre se nota na cara.

Senta-se bem e parece menina
Mas quando sai á rua
A destreza é toda sua.

Fico eu aqui olhando-a
Na esplanada de um tão fim de tarde fria.

Á noite ela se deita no sofá
Enquanto o irmão se fala.
Isto sei porque moro no prédio em frente
E quando em espaços de tempo entre livros
Olho janela é a ela que me quero ver.

Hoje acordei quase que de manhã
Eram onze e quatro e o sono
Não me retinha
Tinha que a ver!

Saí porta, vi rua
Direita para o trabalho
Onde ela se instrui de dinheiro.

Sentei-me, pedi à colega dela
Uma torrada e um galão.

Fiquei esperando que saísse da cozinha,
Olhou-me de repente
Surpresa,
Não que me conheça antes me sabe
Comum a este café e espaço suburbano.

Quinze minutos mais tarde já tinha vindo
E sido ingerido o alimento e o leito com café.
Na sombra da dúvida acendi um cigarro e chamei-a.

Chamei-a ao que ela me veio corada,
A disse que a havia observado já há muito
E que se não assustasse com o assunto.

“Puro interesse inocente e curioso
De um velho amistoso.” Disse-lhe.
Ao que ela sorriu um pouco ainda descrente
Da minha sanidade.

“Minha querida” disse finalmente
“Quero-te oferecer minha vida…”
Ela olhou-me assustada
Eu lhe disse “Descansa que não é nada de mais.
Tenho uma doença que me levará
Nos próximos dias, quero que fiques
Com o que tenho: casa com tudo incluído e carro.
Tens livros e afins culturais e artísticos para te entreteres.
Deixo te-os porque por ti vivi mais uns meses que afinal não merecia.
Tua vida singela fez-me ver o que é a vida em si, vida essa
Que eu nunca vivi.
Contigo, nos últimos meses, compreendi que mais vale silêncio sereno
Que conversa entendida, percebi que mais vale viver que se entreter
Com o sucesso. Deste-me a maior lição de vida e como
Não tenho herdeiros te deixo a ti tudo o que tenho.
Aceitas?
Sei que vives apertada naquele apartamento com o teu irmão
Mereces um espaço teu e assim deixo-te o meu.
Aceitas?
Entende que não há coisa maior que essa para ir em paz para o além-vida.
Aceitas?
Não chores, aceita.”



Nesses últimos dias, tornamos-nos bons amigos,
Afinal minha mente não se canibalizava com a sombra da morte,
Ficava calmo sabendo que ela existia.

Quando morri, morri sereno no sofá de casa dela
Depois de uma longa noite de conversa.








(Assim foi toda a minha vida…)
Era eu um companheiro exímio de um cão.

Tratava a seu lado como se ele,
Tão pouco falante, me por fim
Mostrasse o que é a intuição.

Vieram-me fogos imensos
Memórias antecedidas
Pela consciência do presente.

Eram elas adoráveis
Que de rápido me mutilaram,
Eu ser de 1001 analizações,
Sem tempo a perder
Procurava devora-las a todas sinteticamente
O que me levou á exaustão,
Á extrema fadiga
E por fim á morte.


Nasci noutro dia,
Estava quente e me espreguicei
Como que naturalmente.

Olhei para o lado
E estava uma loba vestida de menina
A dormir.

Me olhei as patas
E ainda eram de homem,
Sacudi as pernas
E saiu-me uma cauda pela beira do lençol!

Fiquei perplexo!

Fui ao espelho
Olhei meu rabo
E de lá de tudo humano em mim
Saiu ou melhor
Estava uma cauda a mexer
Por vezes
Sentindo eu diversos “sentires”.

Acordei a menina ou a loba
E ela me rosnou
Pensei:
Está tudo louco!”
Ao que ela responde
“não querido, estava brincando”
Pensei:
“ é brasileira ou alentejana, das duas uma”

Perguntei-lhe donde era
Ao que ela me disse: “São Paulo”
“e onde estamos nós? Ai por diabos!”
“estamos na floresta”
“mas em qual floresta? De que sitio?
De que país?”

“Ai, não penses nisso,
Não os há por aqui…”

“Que ano é?”

“Fazes perguntas tão estranhas…”

“Jasus!” pensei “ estou a falar com
Uma loba coisas de humanos!”

“como vim aqui parar?”
Perguntei por fim.

“o quê? Não sabes quem sou?
Sou tua querida Dolcelinda!”

“Ai jasus” pensei “isto só piora!”


(“E continuava e continuava e continuava e continuava….”)
Estou como que sentindo
O passar do tempo por mim
Mas como que fico e vou
Num encanto que não vejo.

Busco o futuro,
Só parando, para escrever
E escrevendo, alio o tempo
Do não saber ao ver.

Tempo sagrado esse de me escrever.
Leviana candura
Adormece a meu ombro
E desconhece o forçado.

Até que sorri um pouco
Ela, com seu jeito menino
Acorda meu eu pequenino.

Agora espreguiçasse e olha em volta
Esquece o ontem metendo-o
Logo em prática de manhã.

Meu corpo palpita todo
Ao cheiro do amor,
E do carinho fico sozinho
Longe de mim porque
Resisto ao que me quer…
Horas gastas num vagão triste, sorte minha me ter encontrado vagabundo
Em tese de o querer ser.

Reconheço hoje, homem de casa e afazeres ligados ao sangue económico
Que meu começo não podia ser mais romântico…

Partido de Lisboa vivi auroras boémias com seres que pensam e agem
Com poética alegria.
Sentei-me ao canto um dia cansado de sorrir.

Fui ao cais noite a dentro, lá encontrei de um indivíduo
Que por certo, pensei eu, pescador.

Gritei-lhe alto “vai para onde?”
E diz-me ele “quê?”
Ao que eu repito: “vai para onde?”
“vou para o Brasil! Rio de Janeiro depois São Paulo e depois
Salvador da Bahia e continuando para cima…”

Eu numa continuação de fluída embriagues perguntei “posso ir consigo?”
Ao que ele me responde “quê?” e eu repito.

Era homem duro de seu afazer, se fica pensando que lhe estava a gozar,
Ao que eu, entendendo que minha anterior fala com hálito a cerveja
Equacionava meu desejo intimo e antigo, lhe digo com as mais sinceras
Cordialidades da seriedade: “poderei eu ir consigo?
Há um espacinho onde me possa eu ficar que não incomode nem a si
Nem ás autoridades que por inevitabilidades o possam importunar?”

Ao que ele responde:”Bom há anos (era ele velho) que nenhum freguês
Me tem a lata disso perguntar e há anos certamente que aguardo
Por um qualquer moderno desmedido aventureiro, sabe, para poder pensar
E dizer que algo de novo e excitante fiz fora de sustentar quem de mim
Se agarra…”

Eu sorri.

Diz-me ele passado tempos poucos e reacendendo um cigarro:
“bom, jovem, hoje não que as autoridades andam aí que meu colega
Já em si sofreu consequências que não vale a pena contar.
Mas daqui a 2, 3 semanas as coisas acalmam e conte comigo para lhe
Levar à outra ponta da terra! Seria até um prazer visto que deve ler
Já que tem aí na mão um livro pesado.
Que faz você?”

“De momento sou vagabundo…”

“Fugiu de casa?”

“É…”

“Então vamos já tratar disso, dia 25, venha-me aqui à noite que em principio
Lhe digo um dia certo em que zarpamos.”

“De acordo, de acordo.
Sabe nunca imaginei que dissesse que sim, foi o álcool a puxar o desejo
Longe da realidade. Fala sempre mais alto que a razão e por isso muitas vezes
Mais correcto.
Vou-me preparar, estabilizar desejo em terras de sol e noite, barulho e horas
Mas vou consigo, porque sigo muitas vezes o que o álcool me sugere
Já que me desbloqueia-a o coração.
Dia 25 cá estarei e aí nada mais haverá senão o ir!
Boa noite meu amigo.”

“Boa noite, um prazer.
Já agora como se chama?”

“Miguel.”

“Eu sou o João Antunes.”

“Um bem haja para si!”

“Até esse dia então.
Espero que não se acobarde.”

“Por certo que não, sabe que não.
Adeus.”

“Adeus até logo.”


Foi assim me arrumei deixei a boémia em sonho e parti
Para a Santa Realidade!

Vim e estou aqui, Salvador da Bahia,
De vagabundo a santo eremita de minha família e negócio.

Ave-vida.

(Além da razão há-o sempre coração!)

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Penso se não terá sido
Uma herança errada
O termos de sorrir
Quando não queremos
E não chorar quando devemos.
Que da noite venha o dia,
Que do sol a lua,
Que da Mulher o Homem
E do Homem o menino.
O quanto de um só amor me posso perder
Em anos de retorno e novas descobertas
Que quando trazidas
Aos raios de sol do presente
Se logo derretem em minhas mãos.

Ainda sofregamente tentava
Juntar as peças e não as deixar fugir
Depois já as sabia donas da razão
E segui só com meio coração.

A noite tornou-se meu dia
E o dia minha noite.

Vivo ao contrário
E tudo o que faço é misterioso…

Enveredei por caminhos do espírito
Esquecendo-me do corpo
Lá para trás.

Quando finalmente a ele regressei
Estava débil e apagado de virilidade,
Assombrado pelas teias secas
Da aranha fria do racional.

Quis que me tirassem dali
Mas fechei-me no quarto à chave
E só quem tinha outra chave igual
Não vinha
Por não saber onde estou,
Onde estava.

Caminhei ás escuras ao som do toque
E descobri frescuras que nunca ali
Em mim tinha visto.

Fiquei tão deslumbrado pelo escuro
Que nele me viciei.

Nele havia tudo de tempo
Feito sonho de sempre.

Maravilhei-me com a ausência de visão
E a perpetuação de vida encontrada
Me fez persistir.

Quando enfim esqueci o que procurava
Me levantei e caí de não andar à tanto.

A gatinhar, fruto de um segundo nascer,
Adiantei-me à porta que com
Um sussurro de vontade se abriu.

A luz era já de outra vida e não a reconhecia.

Falaram-me lá fora
Dizendo “vem”.
Que dificuldade tive em lembrar-me
Do significado desse som…

Lembrei-me e me levantei com a ajuda de mãos ternas
Avancei de mão estendida para a frente
Não parei!
Em tempos remotos jazia eu ao som do altifalante do rebanho
E levantava uma bandeira passiva dizendo nela:
“Sou Diferente”

Como estava no rebanho
Pensavam brincadeira.

Um dia olhei uma coisa linda
E de tão linda ser fiquei a vê-la
Distraído que me estava quieto
Enquanto que o rebanho prosseguia.

Quando tomei conhecimento de mim
Então vi que estava só e berrei lágrimas de medo.

De tanto as profetizar alto, á espera da morte,
(orgulhosa concerteza de meu medo)
Alguém me ouviu e de perto
Só senti uma mão a me dar a mão
E dizer silêncio.

Levou-me e eu ía, resignado, pensando
Que era a morte tão estranhamente terrena.

Quando passei o monte
Então vi a correria brincalhona
Das crianças e os animais imensos,
Espalhados, soltos, pela paisagem verdejante.

Vi o sol a nascer
E não podia crer que fosse a morte.
Perguntei então ao capucho, que acompanhava
A mão dada à minha, se era “isto” a morte.

Ela baixou o capucho e disse sorrindo:
“Não querido, isto é a Vida!”
Era um tempo esquisito.
Tu no ar
Eu na terra
A lua era alta
No quase de cheia
Avisava o desuso
Do completo
Que se avizinhava
À (minha) vida em breve.

Corria o boato
Que me havia ido
E tu do céu
Caíste na terra,
Sendo que ela
Já não te conhecia o peso
Foste para dentro dela.

Feita toupeira
Te habituaste a cheirar
E a sentir mais que a olhar
E a ouvir
Então assim descobriste
Um novo teu ser
Que se não isto
Nunca havia havido.


Fui no autocarro das 19horas
E estava como que vazio
Só com um casal de velhos simpáticos.

Olhava as horas,
Pensava passado
E tudo o que imaginava futuro
Sorria, feito prelúdio do presente.

Havia sido um desdentado
Que pouco comia.
Hoje com todos os dentes
Como o que quero
E do que quero posso
Comer tudo!

Sou sortudo, não há duvida,
E tu toupeira…
Não me interessa muito que Deus exista
O que me interessa
É que eu acredite que ele existe.
Escrevinhava de portas abertas,
Ouvia o vento sussurrar,
E escrevia.

Tempo passava e escrevia incessante
Historias que desejava viver.

A noite finalmente chegava
E ele desiludido parava.

“Mais um dia,
Nada aconteceu!”

Comia,
Se deitava “ amanhã, é outro dia”
Assim dizia.

De manhã comia
Se sentava e escrevia.

Nada,
Um dia mais.

“Há que persistir” se aconselhava.

No dia seguinte bateram à porta,
Ele fudido da vida,
Foi-a receber.

Jovem muda, doce que figurou
Entrada tal princesa.

Corou e a apresentou ao vazio
De seu espaço de escritor.

Ela sentou
E então falou por gestos
Ao que o tradutor deu voz:
“Venho da cidade de Jerelada,
Disseram-me que aqui figurava
Um jovem talento que não se encontrava,
Portanto venho ao seu encontro;
Estou aqui para o inspirar.
Sou Musa da ilha de Isilomena
E meu dever
É o reerguer em frente da estátua vivente!”

Calou-se por um tanto momento,
Ao que o jovem se prestou a reflectir intimamente.

“Parece que conheço isto,
Parece que já escrevi algo assim em tempos antigos,
Lembro-me desta história.” pensava ele.

Ela levantou os olhos e o olhou:
“Sim, sou eu:
Criada por seus sonhos,
Já antes de os ter existia eu,
Sou sua,
Seu encontro do sonho com o real.
Venho-lhe destinada.
O que sonha existe
E de o tanto acreditar magnetizou
A seu favor as forças do real.
Há forças, às quais sirvo,
Que não vejo mas sinto
Que me levaram a este espaço, a esta casa.
Aqui devo estar porque assim sinto.”

Ele não acreditava no que ouvia,
Baixava olhos e tocava e mexia as mãos.

Ela por fim disse:
“Agora tens tu de acreditar!”
A vida é mais simples que o que parece.
Basta sair da ideia de vida dos demais
E ter a sua própria.
Alegria fingida
Alegria de estar
Alegria de não reconhecer
E se abastar.

Alegria fria
Que arrasa emoção
Alegria alegre
Sem, de todo, um coração.

Alegria, estar alegre,
Mais para cima que para baixo
O cão ladra e não é ouvido.

Alegria de não saber estar
E somar anos ao corpo.

Alegria de morrer
Fingindo que viveu.

Alegria de nada vingar e ficar e ficar.
Do pouco que se tem
Encontra-se o tudo que
É até impossível
De descobrir!

Sabendo que tendo
Se quer largar
E largando
Se queria ter
O enigma
Fica resolvido
É não querer nada,
Apenas o que se vai tendo.
Em tempos aéreos me julguei perdido
Sabendo eu agora que estava
Me encontrando.

Tempos em que o espírito
Vive tão intenso
Porque fora do corpo,
Tempos em que a imagem real
Dos outros seres humanos
Parece, aí sim, sonho ou pesadelo.

A marca da distância
Em tudo o que vi,
O afecto impossível
Ao alcance das mãos.

Sereias do meu passado de luz
Onde vivia o inferno
Para idealizar o céu.

Os meus belos tempos aéreos,
Tanto sonho e fantasia viviam soltos de mim
Sendo eu o único espectador
De tal divino espectáculo
Ou manifestação.

A sorte de ser assim,
Como sou,
Leva-me a tudo onde se pode ir
E nisto me agradeço.

Não guardo qualquer desprezo
Por tudo o que seja vida
Antes um enorme e calorento carinho.

Fica sempre a possibilidade
De se não viver, então sonhar
E viver, assim, a imaginação
Como que mais real que a própria Criação.

Quer-se o criador em terreno fértil?

Não, assim ele não cria a mais terrena salvação!

Há que ir aos demónios da inacção
E demais angústia para de nenhuma saída
Inventar a única que lida com tudo,
Com todos.