segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Horas gastas num vagão triste, sorte minha me ter encontrado vagabundo
Em tese de o querer ser.

Reconheço hoje, homem de casa e afazeres ligados ao sangue económico
Que meu começo não podia ser mais romântico…

Partido de Lisboa vivi auroras boémias com seres que pensam e agem
Com poética alegria.
Sentei-me ao canto um dia cansado de sorrir.

Fui ao cais noite a dentro, lá encontrei de um indivíduo
Que por certo, pensei eu, pescador.

Gritei-lhe alto “vai para onde?”
E diz-me ele “quê?”
Ao que eu repito: “vai para onde?”
“vou para o Brasil! Rio de Janeiro depois São Paulo e depois
Salvador da Bahia e continuando para cima…”

Eu numa continuação de fluída embriagues perguntei “posso ir consigo?”
Ao que ele me responde “quê?” e eu repito.

Era homem duro de seu afazer, se fica pensando que lhe estava a gozar,
Ao que eu, entendendo que minha anterior fala com hálito a cerveja
Equacionava meu desejo intimo e antigo, lhe digo com as mais sinceras
Cordialidades da seriedade: “poderei eu ir consigo?
Há um espacinho onde me possa eu ficar que não incomode nem a si
Nem ás autoridades que por inevitabilidades o possam importunar?”

Ao que ele responde:”Bom há anos (era ele velho) que nenhum freguês
Me tem a lata disso perguntar e há anos certamente que aguardo
Por um qualquer moderno desmedido aventureiro, sabe, para poder pensar
E dizer que algo de novo e excitante fiz fora de sustentar quem de mim
Se agarra…”

Eu sorri.

Diz-me ele passado tempos poucos e reacendendo um cigarro:
“bom, jovem, hoje não que as autoridades andam aí que meu colega
Já em si sofreu consequências que não vale a pena contar.
Mas daqui a 2, 3 semanas as coisas acalmam e conte comigo para lhe
Levar à outra ponta da terra! Seria até um prazer visto que deve ler
Já que tem aí na mão um livro pesado.
Que faz você?”

“De momento sou vagabundo…”

“Fugiu de casa?”

“É…”

“Então vamos já tratar disso, dia 25, venha-me aqui à noite que em principio
Lhe digo um dia certo em que zarpamos.”

“De acordo, de acordo.
Sabe nunca imaginei que dissesse que sim, foi o álcool a puxar o desejo
Longe da realidade. Fala sempre mais alto que a razão e por isso muitas vezes
Mais correcto.
Vou-me preparar, estabilizar desejo em terras de sol e noite, barulho e horas
Mas vou consigo, porque sigo muitas vezes o que o álcool me sugere
Já que me desbloqueia-a o coração.
Dia 25 cá estarei e aí nada mais haverá senão o ir!
Boa noite meu amigo.”

“Boa noite, um prazer.
Já agora como se chama?”

“Miguel.”

“Eu sou o João Antunes.”

“Um bem haja para si!”

“Até esse dia então.
Espero que não se acobarde.”

“Por certo que não, sabe que não.
Adeus.”

“Adeus até logo.”


Foi assim me arrumei deixei a boémia em sonho e parti
Para a Santa Realidade!

Vim e estou aqui, Salvador da Bahia,
De vagabundo a santo eremita de minha família e negócio.

Ave-vida.

(Além da razão há-o sempre coração!)

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