segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Haveria tão pouco água no poço?

Havia. Só que de tão fria
Ninguém a bebia.

Aprenderam a beber fogo
Os colonos dessa terra sem homens.

Fogo no corpo,
Todos sabem,
Ou dá Deus ou Demónio.

Deus nasce da paciência
E o demónio por excelência do medo.

Mas sentaram-se a meu lado evaporando as caudas
Cornos e picos, coisas douradas à volta da cabeça
E me olharam curiosos.

Porque eu nada tinha antes
E nada tinha agora que eles se pareciam comigo.

Pedi um copo de água,
Me disseram que não havia,
Perguntei como sobreviveria eu ao calor que fazia
Me disseram rendendo-me a ele bebendo-o em fogo.

Disse que me queimaria a garganta,
Asseguraram-me que não.

Bebi então.

Não é que morri!
Morri…
Não perdi consciência
Por estanho que pareça
Mas morri ali de garganta queimada.

Os vi a olharem para mim falecido
Em dor extrema, vi-os ter pena
De me assegurarem vida
Condenando-me á morte.

Olhei-os uma vez mais e parti
Porque ainda sendo eu agora
Só espírito ainda sentia o absurdo
Calor que fazia.

Noite no deserto,
Só, na imensidão da vida
O frio não me gerava qualquer desconforto
Antes me aclarava as ideias
Parecendo-me elas vivas
Agora que não tinha corpo.

Sosseguei um tempo e como
Não sentia sono ou cansaço
Prossegui a caminhada
Ou melhor flutuação.

Lá em mais de horas a ir vi uma vilazita,
Parece-me que magrebina, muçulmana,
Norte de África, por palpite,
E vi pessoas não me vendo elas a mim.

Entristeci-me.
Vi o mal de ser só espírito…

Fui mais um pouco por aí
Percebendo agora a pena que os outros
Tinham em me ver o corpo parado
E alienado de vida.

Lembrei-me da conversa
Da água e do fogo e do calor.

Fui ao poço e bebi.

Não é que me apareci
De novo aos olhos da gente
Que me festejou pela noite a dentro?

Vida aliada a corpo é bem mais gira.

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